O Fim da Toca

Publicado: fevereiro 26, 2022 em Cinema

O tempo passa voando, a gente pisca os olhos e… lá se foram 20 anos. É até meio inacreditável que esse espaço tenha durado tanto, 20 anos escrevendo por esse hobby, sem esperar nada em troca. Praticamente escrever pelo simples prazer de continuar com os filmes um pouquinho mais na cabeça, por outro lado nos últimos anos quase ninguém mais lê blogs, não é? O blog me trouxe muitas amizades, e sem dúvidas foi seu maior legado porque permitiu me aproximar com pessoas que estavam tão longe fisicamente e tão próximas em interesses culturais e assim criar amizades tão profundas que antes da era da internet seria inimaginável. Talvez por isso que tenha esticado a manutenção dos blog até hoje, um saudosismo. Mas, tudo tem seu fim e o hoje celebrando 20 anos é o momento de encerrar esse espaço.

Não foram coincidência as últimas postagens com filmes de Christian Petzold e o mais recente de Paul Thomas Anderson afinal são 2 dos meus cineastas favoritos da atualidade. Ainda posso ser encontrado, regularmente, falando ou escrevendo sobre cinema, no Podcast Cinema na Varanda, ou no twitter e letterboxd. Aos que leram regularmente, ou apenas uma única vez, fica o meu muito obrigado.

E para terminar resolvi rever o primeiro filme que vi na vida, um garoto com uns 5-6 anos maravilhado com aquele aparelho que meu pai trouxe ao chegar do trabalho. Um videocassete. Lembro dele montando, e quase 40 anos depois ainda carrego várias lembranças daquele primeiro filme (que me parece tão bizarro ter sido visto em família, um filme australiano de um javali assassino gigante). As imagens psicodélicas de deserto, as cenas de construção no meio do nada, e principalmente a sequencia final estavam bem guardadas na memória. E essa é a magia do cinema, imagens e sentimentos ficam estocados em nossas memória com uma força impressionante ao ponto de um garoto se lembrar tanto tempo depois. Razorback (O Corte da Navalha) é daqueles filmes bem de baixo orçamento, mas que tem muito mais do que a simples ideia de um javali matando pessoas ao longo de 90 minutos. Um filme pouco lembrado no Brasil atualmente, que o deixou lá pelos anos 80, com seus tipos canastrões (alguns tão escrotos que poderiam dar impressão de um mundo distópico), sua paisagem árida com toques de um quadro de Dali, sua montagem meio videoclipe, aquela ideia como de Tubarão onde o que menos se vê é o monstro, e nenhum apego em manter vivos a maior parte dos personagens que o filme desenvolve. Um clássico do terror b que vale ser descoberto.

Licorice Pizza

Publicado: fevereiro 25, 2022 em Cinema
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Enfim, é um coming-of-age duplo, o Eduardo e Mônica de Paul Thomas Anderson, desse adolescente tentando conquista-la, e dessa jovem adulta que ainda não se encontrou. Mas, PTA não está exatamente interessado em só contar a história desse casal (baseado na vida de um produtor de cinema amigo seu), não, ele quer resgatar os anos 70 da Califórnia em cultura, cores, swing e tudo mais. Por isso surgem tantos personagens, em momentos quase episódicos, que elevam a carga de humor e salpicam essa história de amor com um sabor inusitado. Por isso que o filme é tão rico em canções e outras referências culturais, políticas e sexuais, tudo dentro desse grande plano de revisitar um local, uma época, um estilo de vida. E para harmonizar tudo, como o fio condutor estão as pequenas aventuras de Alana e Gary. Meio atrapalhados, totalmente corajosos, e que cuja capacidade do cineasta americano em criar cenas lindas e deliciosas faz de Licorice Pizza esse sucesso. O garoto na fila se inclina para ver melhor a garota que vem se aproximando, as mãos dadas dormindo no colchão de água, os gif’s já dominam a internet e a memória dos que já se aventuraram por essa belezura cuja dupla de atores só torna tudo ainda mais adorável.

Undine

Publicado: fevereiro 24, 2022 em Cinema
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Undine (2020 – ALE)

Christian Petzold flerta com a fábula ao trazer à Berlim contemporânea, a mitologia grega de Undine, que sai das águas para enfeitiçar os homens. O filme começa num café, um plano contraplano entre close-up’s e planos mais abertos, onde o namorado rompe com Undine, porque está com outra mulher e ela o ameaça de morte. Essa não parece uma ameaça desesperada, é apenas o primeiro sinal dos pequenos toques fantásticos que a trama absorve do mito de Undine. Da tristeza ao infortúnio encontro com outro homem, um mergulhador, um pequeno acidente e um aquário que se quebra. Há água por todos os lados nessa história, assim como há Berlim, afinal ela é uma historiadora que dá palestras sobre a urbanização da cidade, a unificação oriental e ocidental, e etc.

O tom romântico e melodramático sempre encontra aconchego na maneira afetuosa como o cineasta alemão narra suas histórias. Casais apaixonados, enquanto visitamos a cidade por estações de trem, café, museus, além das cenas em que Petzold mais do que narra sua história pela capacidade de romantismo, de falar de amor, de saudade, de carinho, de decepção, e de dor, claro, sempre numa abordagem sutil. A cada filme Petzold parece apurar a sofisticação do que envolve personagens e tramas com a sociedade alemã, essa parece ser a abertura de uma nova trilogia, já estou esfregando os dedos na expectativa do que mais vem por ai.

Jericó

Publicado: fevereiro 23, 2022 em Cinema
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Jerichow (2018 – ALE)

A cada novo filme de Christian Petzold o entusiasmo se renova, impressionante como foi apurando o estilo a cada filme, sem deixar de ser fiel a temas, ainda que os relacione em pequenas variações. E nesse sentido, Jericó parece um resumo precioso daquele momento de sua carreira: imigração, dinheiro, desejo, tudo está ali. Não é uma adaptação, mas Petzold declara ter se inspirado na trama do livro The Postman Always Rings Twice, de James M. Cain (adaptado algumas vezes ao cinema, no Brasil talvez mais conhecido como O Destinado Bate à Sua Porta). O cineasta alemão opta pelo desejo sexual exposto de forma comedida, no filme de Bob Rafelson é mais intenso, nesse ele esta lá, é nítido, mas vem sobreposto. Em seu filme os personagens são muito movidos financeiramente, muito mais ligado à sobrevivência, do que ganância, mas é o que vem primeiro.

A relação da necessidade de dinheiro surge desde a primeira sequencia, o militar que volta da guerra e tem uma dívida que está sendo cobrada. Totalmente quebrado consegue emprego de motorista de um comerciante turco, e acaba se envolvendo com a esposa do chefe. Nesse universo de filmes de Petzold os personagens conversam muito dentro de carros, trocam olhares, sucumbem ao desejo, e por entre cenas elegantes e comedidas declaram sentimentos, paixões, planos (alguns sórdidos). Seus filmes sempre fecham com dilemas morais , aqui não é diferente, não há nem sobram de uma figura muito heróica ou totalmente vítima, há sim essa mistura de interesses, desejo, personagens movidos por seu interesse próprio a ponto de traçar uma nova linha dos limites morais.

Bárbara

Publicado: fevereiro 22, 2022 em Cinema
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Barbara (2012- ALE)

Foi meu primeiro contato com o cinema de Christian Petzold (o primeiro texto sobre o filme está por ai no blog), e ao revisitá-lo agora a sensação de novidade é substituída por um grau de familiaridade com o estilo, os temas, com esse universo petzoldiano de cinema. Vários os personagens, as épocas, mantem-se as estruturas, as surpresas dos finais, as questões sentimentais, políticas, e tantas de suas obsessões.

A direção elegante de Petzold esconde, propositadamente, muitas informações para que o público possa preencher as lacunas sobre a história da médica arredia (Nina Hoss) que está contrariada com seu novo posto de trabalho, numa espécie de castigo por ter tentado migrar para o lado ocidental da Alemanha. Nesse pequeno retrato da vida nos anos oitenta da Alemanha Oriental tem-se a sensação de estar sob vigilância o tempo todo, o governo não lhe deixa respirar, as liberdades limitadas.  

Um médico se aproxima, ela ainda tem planos de escapar com seu marido, pacientes que criam diferentes vínculos. O roteiro realmente é um fiapo, o que sobra é elegancia no trato, e essa imersão que vai ficando maior quanto mais se adentra nos personagens e em suas complexidades numa trama que pretende falar de política velada, e deixar para que os sentimentos decidam o caminho da protagonista.

Dreileben: Algo Melhor do que A Morte

Publicado: fevereiro 21, 2022 em Cinema
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Dreileben: Beats Being Dead / Dreileben: Etwas Besseres Als den Tod (2011 – ALE)

Três dos mais importantes cineastas da Geração de Berlim realizaram esse projeto para tv alemã de três filmes que partem de um ponto de intersecção: um homem que matou uma mulher e foge para o bosque numa cidade no interior daa Alemanha. Esse é o filme de Christian Petzold, que já tinha uma larga história com telefilmes no início de sua carreira e aqui insere, facilmente, todos os elementos e obsessões de sua filmografia em outro belíssimo drama romântico, com toques de thriller, talvez de fábula.

No centro da trama um jovem que estuda para ser médico, e acaba se apaixonando por uma imigrante bósnia. Tal qual o estilo de Petzold, a narrativa é direta, pouco sai do entorno de seu protagonista, os planos mantém a elegância refinada, e a narrativa guarda pequenas sacadas que tornam essa ou aquela cena especiais (aqui se destaca o cena com tradução e dança de Cry me a River). Ao mesmo tempo que é direto, ele também guarda tons de mistério, de que algo está prestes a acontecer (aqui ainda mais presente pela tal intersecção do projeto de trilogia), mas é essecialmente outro caso de desenlace amoroso com imigração, com cenas importantes de diálogos em carros, com decepções e paixões e a capacidade de Petzold em trabalhar com os mais diversos personagens e ainda assim fazer seus filme se unirem como se fossem partes de uma mesma valsa.

Yella

Publicado: fevereiro 20, 2022 em Cinema
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Yella (2007 – ALE)

Em poucos minutos o clima tenso já toma conta, um grau de ansiedade controlado, é bem verdade, já que os filmes de Christian Petzold não são frenéticos. Porém, a tensão está lá, e permanece com você, o tempo todo. A protagonista é quieta, e por isso mesmo enigmática, o que ela está realmente pensando e sentindo são respostas que o filme trará lentamente e flertam mais com o capitalismo do que se poderia imaginar.

Alemanha unificada, de sua pequena cidade natal do lado oriental, Yella (Nina Hoss) tenta se livrar do ex-marido agressivo e desesperado que a persegue, que não lhe deixa em paz. Ela conseguiu emprego numa cidade grande do lado ocidental,  e essa transição nos apresenta um país imerso num sistema financeiro nocivo, que já conhecemos tão bem, mas no estilo alemão tudo parece mais frio, impessoal e até peçonhento.

Ela segue vendo o marido a perseguido por todos os lados, o emprego não dá certo, mas ela consegue um outro que a joga ainda mais nesse mundo do sistema financeiro que arrisca e se aproveita dos que produzem, que visa o lucro rápido, e nesse universo de reuniões empresariais e balanços contábeis que Petzold desenvolve essa relação profissional com o executivo-caixeiro-viajante e suas negociatas e nossa protagonista passivo-capitalista. A critica à ambição financeira vem travestida de drama romântico, de toxicadade masculina, de romances tortos e  jogos de interesse cujo rio que divide o lado ocidental e oriental  dessas alemanhas em reconstrução se torna um coadjuvante essencial. Nina Hoss, como casa perfeita com as protagonistas dos filmes de Petzold, impressionante.

Fantasmas

Publicado: fevereiro 19, 2022 em Cinema
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Gespenster / Ghosts (2005 – ALE)

Solidão e tensão, na filmografia de melancolia de Christian Petzold esses dois elementos casam, combinam. Poucos diálogos, pouquíssimos personagens, e o cineasta alemão constrói outra rede de personagens marginalizados à sociedade, que aqui se encontram na dualidade entre sua solidão e a tensão causada por nosso profundo desconhecimento delas eclipsado pelo intempestivo.

A jovem que vive num abrigo e trabalha recolhendo lixo num parque até ver uma outra jovem ser roubada, quase violentada. Um misto de choque, de afetividade, de curiosidade, a solidão que as aproxima. De outro lado uma mulher que não superou o desaparecimento de sua bebê. Os destinos cruzam essas três mulheres, é fácil conectá-las com o título, fantasmas, mas a teia de relação dos filmes de Petzold são bem mais complexas. Sim, a seu modo, cada um delas desfila como fantasmas por essa Alemanha fria de planos meticulosos e carregados do melodrama do cineasta. Mas, é essa dose de solidão, uma solidão que até nos surpreende, que faz com que essas personagens quietas, que agem quase robotizadas quando confrontadas, criem uma força inesperada e autêntica ao filme.

Wolfsburg

Publicado: fevereiro 18, 2022 em Cinema
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Wolfsburg (2003 – ALE)

A cada filme Christian Petzold vai apurando seu elegante estilo narrativo. Neles os romances são todos marcados por alguma grau de firmeza e quase sempre sugerem relações pouco promissoras, até aqui seus personagens vem sempre marcado por crimes ou questões éticas questionáveis, e com esse filme não vai ser diferente.

Wolfsburg, cidade com maior PIB da Alemanha, fruto da força da indústria automobilística. De um lado um vendedor de carros de luxo que se envolve num acidente, e foge. De outro a mãe do garoto acidentado, que leva a vida trabalhando num supermercado. O peso da culpa por fugir o leva a investigar, se aproximar deles, tentar ajudar uma família bem mais humilde que sua vida. Intrigante como ambos personagens centrais tem relações amorosas conflituosas em seu trabalho, ela recebe convites para sair com seu chefe, enquanto ele trabalha na concessionária da família da noiva.

Essa culpa misturada com uma atração muito mais ligada à solidão do que algo físico os aproxima, enquanto isso as questões sociais estão à beira da trama. Cada passo da história é comedido, vagaroso, eles pouco falam, Nina Hoss de cabelos pretos enaltede esse quê de melancolia, de desesperança, que o filme carrega até chegarmos ao grand-finale e Petzold mostrar porque é um dos grandes cineastas da atualidade.

Red Rocket

Publicado: fevereiro 17, 2022 em Cinema
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Red Rocket (2021 – EUA)

Sean Baker segue em sua cruzada de dar voz a personagens à beira da sociedade. Um vendedor de muambas com filho pequeno, um grupo que vive num hotel barato ao lado da Disney, pessoas que vivem de explorar o sexo, as amigas trans passeando no por do sol. O cineasta americano está interessado em todos eles, mas de um jeito singular, como se ele usasse os históricos desses personagens para trazer o charme quando seu real interesse em registrar esses personagens em constante movimentação pelas cidades. Se misturando com o restante da população, estranhos para todos, exceto para nós, o público, que conhecemos os detalhes que os deixam à margem.

Aqui, no centro da história, um ator pornô que sonha em voltar ao sucesso na indústria. Porém está todo ferrado, e tenta se reconstruir morando de favor na casa da ex. Vai se virando em jeitinhos, pequenas contravenções, mas quer mesmo encontrar uma isca que o possa fazer voltar ao cinema pornográfico. Sean Baker capta esses personagens que dificilmente seriam protagonistas edificantes do cinemão, e dessa forma ele faz suas crônicas sobre seu país, politica, capitalismo, sem precisar ser direto ouo verborrágico. Está tudo ali, implícito, indiretamente ligado, exatamente como nossas vidas são influenciadas por isso tudo.